sexta-feira, 2 de julho de 2010

EDUCAÇÃO BÁSICA E HOMOSSEXUALIDADE




Concordamos com o pensador Bordieu quando ele afirma que as estruturas sociais e econômicas interferem na formação dos indivíduos. Estamos certos, assim como ele, que o sistema de ensino possui uma  a face oculta, e que essa face oculta pretende reproduzir, de maneira dissimulada, as estruturas de exclusão, discriminação e marginalização da sociedade.

Assim, todo sistema de ensino institucionalizado visa em alguma medida realizar de modo organizado e sistemático a inculcação dos valores dominantes e reproduzir as condições de dominação social que estão por trás de sua ação pedagógica. Isso explica a desigualdade que está na base do processo de seleção escolar (BOURDIEU, Apud Rodrigues, 2000, p. 87).

Desse modo, as condições de classe de origem dos alunos, ou seja, o tipo de habitus, o capital cultural e, em grande medida, o seu gênero e sua orientação sexual, irão determinar tanto as chances que esse aluno tem de ingressar na escola quanto as que ele tem de progredir nos estudos.
Achamos também muito pertinente as considerações de Bourdieu, comentadas pelo Professor Alberto Tosi Rodrigues, a respeito da violência simbólica operada nas escolas:

O conceito de 'violência simbólica' designa para eles (Bourdieu e Passeron) uma imposição arbitrária que, no entanto, é apresentada àquele que sofre a violência de modo dissimulado, que oculta as relações de força que estão na base do seu poder. A ação pedagógica, portanto, é uma violência simbólica porque impõe, por um poder arbitrário, um determinado arbitrário cultural (RODRIGUES, 2000, p. 86).

 A nosso ver, tanto a expressão "face oculta" quanto a de "violência simbólica" são muito apropriadas nesta nossa reflexão. Tomada num sentido mais amplo, a expressão face oculta, de um lado, serve para traduzir aquilo que está por trás do discurso pedagógico oficial no Brasil; já a expressão violência simbólica, por sua vez, serve bem para denotar a força com que esse discurso hegemônico tem se imiscuído na vida cotidiana dos alunos e professores das escola públicas de ensino fundamental e médio. Ou seja, por trás de um discurso que tem a pretensão de ser moderno e progressista, existe toda uma força conservadora e reacionária que tem mantido - quando não reforçado - a exclusão e a discriminação, sobretudo no caso de jovens com orientação sexual destoante. 

Segundo a socióloga Maria Celi Scalon, numa reportagem publicada na revista Veja de 30 de junho de 1999, os estudantes das escolas particulares tem uma chance em nove de passar no vestibular, enquanto os de escola pública possuem a chance de 1 em 104; um filho de trabalhador rural terá 1140 vezes menos chance de sucesso do que o filho de um advogado, engenheiro ou médico (SCALON, 1999, p. 40). Imagine se acrescentar-mos a essa condição o fato dele ser homossexual... 
Obviamente, achamos difícil ser otimistas diante de uma realidade tão excludente. Além disso, como bem observa  Apple (1998), as políticas públicas dessa última década apenas tem, no fim das contas, caminhado no sentido de transformar a democracia em práticas de mercado, o que tem levado a exacerbação das divisões sociais que envolvem tanto a classe quanto a raça e, a nosso ver, também o gênero e a orientação sexual.  Mas o discurso hegemônico, em momento algum, tem deixado transparecer o que subjaz  à sua proposta. O que aparece é por força da própria realidade que, a despeito de todo esforço contrário, acaba dando sinais de uma situação incrivelmente problemática, da qual somos capazes de perceber, na maioria da vezes, apenas a ponta do iceberg: jovens agredidos verbal e fisicamente, professores despreparados para lidar com questões de sexualidade - e mais ainda com a homossexualidade -, propostas pedagógicas conteudistas e ineficazes e uma infra-estrutura precária.  
Ou seja, por trás  do discurso modernizante o que existe são opiniões tecnocráticas que acabam mascarando todo um projeto reacionário que preconiza a minimização do Estado do bem-estar social e a proeminência sem reserva do reino do mercado e do consumidor. Sendo este último o substituto comercial do cidadão. De tal modo que a educação pública, num ritmo mais ou menos acelerado, acaba seguindo essa lógica.
A guinada conservadora - que chamei em outro lugar de restauração conservadora (APPLE, 1993, 1996) - foi o resultado do exitoso esforço da direita para construir uma ampla aliança (...) Isto é, ela costurou, criativamente, diferentes tendências e compromissos sociais e organizou-os sob sua própria liderança geral nas questões ligadas a bem-estar social, cultura, economia e, como veremos neste artigo, educação (APPLE Apud Rodrigues, 2000, pp. 113 - 114).

Embora o autor esteja se referindo mais especificamente à realidade norte-americana, cremos que suas constatações são perfeitamente aplicáveis no caso brasileiro.
Neste ínterim, convém lembrar as considerações de Gramsci, o qual defende que, para se chegar ao poder não basta ganhar eleições ou dar um golpe de Estado, é necessário também ganhar a batalha do convencimento a fim de se obter um consenso social em torno de suas concepções (GRAMSCI Apud Rdrigues, 2000). Por isso é muito importante o surgimento de intelectuais e pessoas esclarecidas sobre a naturalidade da homossexualidade. O papel que nós homossexuais devemos assumir nessa batalha de idéias pela hegemonia política e ideológica é de fundamental importância. Sendo assim, onde estão os intelectuais orgânicos dos homossexuais brasileiros? Tememos que no caso do Brasil, os neoliberais conservadores estejam ganhando esta batalha. Mesmo porque, diante do quadro educacional oferecido aos jovens homossexuais, dificilmente sairão daí os intelectuais orgânicos capazes de falar por, para e com eles; de modo que esses não têm sido capazes - pelo menos não de maneira eficiente - de fazer frente a força e ao dinamismo com que tem se propagado o discurso hegemônico, que nada mais é do que uma versão oficial dos instrumentos de manutenção e reforço de determinadas estruturas que mascaram, de maneira muito eficiente, toda força de dominação e exclusão social que está por trás da ação pedagógica institucionalizada.
Para superar esse discurso hegemônico que, em última análise significa um mascaramento dos preconceitos, da discriminação e do elitismo,  temos que, antes de tudo, sermos honestos em nossas considerações sobre a educação pública no Brasil e assumir com coragem a temática da homossexualidade num contexto pedagógico e saudável. Só assim seremos capazes de caminhar no sentido de construir uma educação ideal, que seja inclusiva e não excludente, que seja realmente formadora e transformadora, ao invés de conservadora e deformadora. Para isso, ela tem que oferecer um instrumental consistente aos homossexuais, a fim de que estes possam também construir o seu discurso, criar os seus intelectuais orgânicos e ocupar o espaço que lhes é tirado e usufruir dos direitos que lhes são negado, caso contrário, não haverá democracia e jamais atingiremos aquilo que Mannheim denomina de sociedade sadia.

(Luciano Paz de Lira - Pela Secretaria GLBTT - Apeoesp/Subsul/ Sto. Amaro)

terça-feira, 29 de junho de 2010

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Saudações coloridas e revolucionárias...

Queremos partilhar com vocês mais um pouco de nossas experiências.
Nesses últimos sábado e domingo, 26 e 27/08, estivemos presente no seminário de discussão do programa do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados). Por que o fizemos? Primeiro porque fomos convidados; segundo porque julgamos importante nossa contribuição para o delineamento de uma proposta efetiva para uma política de Estado LGBT. Sempre procuraremos atender os convites feitos por toda instituição que estiver disposta a discutir a questão.

Iniciamos apresentando o programa do partido nessa área, seguida de nossas sugestões, que hão de servir para enriquecê-lo.
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O QUE JÁ CONSTAVA NO PROGRAMA

Trabalho

  • Contra o assédio moral e sexual: contra as diferentes formas de perseguição, humilhação e discriminação sofridas pelos GLBTs em locais de trabaho.
  • Contra a demissão de trabalhadores, principalmente aquelas motivadas pelo preconceito.
  • Contra a precarização das relações de trabalho.

Moradia

  • Pela proibição de qualquer norma que restrinja o direito de livre escolha de local de moradia.
  • Pelo acesso ao crédito e financiamento a casais do mesmo sexo.

Forças Armadas

  • Pelo fim da homofobia institucionalizada das Forças Armadas.

União Civil

  • Pela união civil de casais do mesmo sexo, com e extensão de todos os direitos concedidos aos heterossexuais para os casais homossexuais.

Adoção

  • Pelo direito à adoção.
  • Por creches para os filhos de trabalhadores e trabalhadoras
  • Por licença-maternidade e paternidade

Educação

  • Por uma educação voltada ao respeito à diversidade sexual.
  • Pela inclusão da disciplina de educação sexual nas escolas e nos cursos de formação de professores.
  • Por um ensino laico, sem influência dos moralismos religiosos e conservadores.
  • Pela inclusão do nome social no sistema de ensino em todos os níveis para estudantes transgêneros.

Nome social para transgêneros

  • Pelo reconhecimento do nome social em documentos, órgãos públicos e privados para travestis e transgêneros, inclusive nas escolas, universidades e locais de trabalho.
  • Pela desburocratização e maior agilidade no processo de alteração do nome nos registros e documentos do indivíduo.

Saúde

  • Por uma política de saúde que atenda as especificidades GLBTs, particularmente de lésbicas, travestis e transgêneros.
  • Pela ampliação da rede de CTAs.
  • Por um sistema de saúde 100% público
  • Pela laicidade da gestão da saúde
  • Pela ampliação das campanhas de conscientização e prevenção DST/AIDS sem qualquer constrangimento de setores religiosos e conservadores.
  • Pela retirada da resolução da ANVISA, bem como de qualquer outra medida, que proíba a doação de sangue por homossexuais.

(Adaptado do Documento: “Um Programa de Classe Contra a Homofobia” – Seminário Programático do PSTU / 2010)


NOSSAS CONSIDERAÇÕES

Julgamos oportuno e arrojado o programa do partido, no entanto teríamos algo mais a acrescentar e acreditamos que uma “Política de Estado” decente deve levar em conta tais aspectos.

Do ponto de vista político

Nos parece que, muitas vezes, a discussão fica em torno de questões pontuais ou algumas leis muito específicas. Acreditamos que, a exemplo do Estatuto do Idoso e do Eca, deve ser elaborado o Estatuto das Minorias em que conste, além de tudo o que é proposto no programa do PSTU, que os partidos políticos e repartições públicas garantam obrigatoriamente a presença em seus quadros de pessoas explicitamente anti-homofóbicas, em especial travestis, transexuais e transgêneros. Aqui vale lembrar a contribuição de um dos integrantes do grupo de discussão (Carlos):”... que o partido não nos considere apenas como eleitores e consumidores, mas como agentes efetivos do processo...” É importante que a questão LGBT se converta em uma política de estado e não seja um mero adereço nos discursos para torná-los politicamente corretos. Se um partido político se propõe a isso, deve começar dando exemplo em suas fileiras.

Do ponto de vista econômico

Quem pode indicar com precisão o impacto de nossa contribuição no processo produtivo do país? Quem, em sã consciência, é capaz de dizer que existe uma categoria profissional onde não atuam pessoas LGBTs? Em toda categoria profissional existem pessoas nos diferentes estágios de assunção de sua condição sexual. Por isso mesmo julgamos conveniente que sejam criadas  obrigatoriamente “Comissões de Combate à Homofobia e ao Preconceito de Gênero” dentro das empresas e sindicatos; da mesma forma que existem as CIPAs (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes). Além disso, que grandes empresas, especialmente as prestadoras de serviço, sejam obrigadas a contratar travestis e trans, afim de expressar de fato a diversidade que compõe o mundo do trabalho.

Do ponto de vista social

Estado é laico e julgamos que assim o deve ser, e não deve fazer distinção e privilegiar determinadas formas de arranjos familiares; do ponto de vista do Estado a poligamia e outras formas de arranjos familiares devem possuir o mesmo status que a monogamia e a família nuclear patriarcal burguesa. É-nos claro que o Estado não deve se intrometer nas questões pessoais, em especial, nas nossas relações sexuais, mas há “atitudes” e normatividades corroboradas pelo Estado que acabam por interferir em um aspecto fundamental de nossa liberdade que é a livre expressão de nossos afetos e a vivência de nossa sexualidade.

O programa do PSTU é bastante feliz nessa área e contempla muito do que gostaríamos, mas não faz menção às/aos profissionais do sexo e ao direito que elas/eles tem. Achamos que esta questão está intimamente relacionada à questão dos LGBTs.

Além disso, é necessário que sejam adotadas medidas efetivas que contribuam para educar a sociedade para conviver e assumir a diversidade que lhe é inerente, como por exemplo a
criação, nos espaços públicos, de um terceiro banheiro destinado às pessoas travestis e trans. Muitos opositores, inclusive no próprio movimento, são contra essa idéia e afirmam que isso é uma questão menor. Se não é importante, então vamos tirar dos banheiros públicos as indicações de masculino e feminino, vamos transformar todos os banheiros públicos em “multigenéricos”. A resistência a isso, por si só, prova a importância de uma medida desse tipo.

É necessário que a sociedade e o Estado assuma a luta contra a homofobia como assumiu a luta contra o cigarro. Que nós possamos ver em todos os lugares uma plaquinha “Proibido Discriminar” da mesma forma que vemos a de “Proibido Fumar”. 

Do ponto de vista cultural

A opressão a que nós LGBTs estamos submetidos tem também uma dimensão simbólica com características muito singulares. É evidente a ausência na grande mídia de referenciais simbólicos que sejam positivos e que auxiliem os meninos e meninas LGBTs a evoluírem na sua sexualidade de modo saudável. Muitas vezes é a ausência de um referencial simbólico adequado que faz com que muitos jovens homossexuais acabem criando formas de expressão de sua vida sexual neuróticas e menos saudáveis. É primordial que o Estado atente para essa questão, que intervenha firmemente nos meios de comunicação e na indústria cultural como um todo, de maneira a privilegiar as formas de expressão artística e cultural em que predominam o respeito pela diversidade e o combate à homofobia. Aqui nos lembramos de uma idéia defendida pelo colega Wilson, do PSTU: “...que o Estado subsidie formas de lazer e produções culturais para o público LGBT...”

Meu caro amigo e minha cara amiga, se você chegou até aqui PARABÉNS!!  Mas este é apenas um resumo e está em aberto. Há muito o que ser dito, por isso precisamos de sua presença em nossas reuniões. Lembre-se, todo último sábado do mês, na subsede sul de Sto. Amaro da APEOESP (R. Cerqueira César, 480). 
E-MAIL: secretariaglbttapeoesp@gmail.com

FORTE ABRAÇO!!!